Começaremos a falar um pouco mais dos nossos projetos e toda a estrada do desenvolvimento que eles percorreram e estão percorrendo até chegarem nas suas mãos. E como um primeiro assunto, trago um projeto que foi extremamente importante para nós e que teve a colaboração de muitas pessoas. Nesse relato, espero que vejam como um projeto, por mais simples que possa parecer, possui tanta complexidade por trás e tanta gente envolvida. Nunca é apenas um jogo, é muito mais, é um facilitador de experiências memoráveis!
Tudo começou no início de 2020, quando eu ainda fazia parte da Grok Games. Um jogo que lancei ainda pela Ludofy e que me inspirou bastante foi o Mottainai. Já era fã do Glory to Rome e com o Mottainai, criei a vontade de ter um jogo que usasse cartas onde elas teriam vários usos no jogo, porém, com regras e jogabilidade mais simples do que no Mottainai.
Na época, eu estava buscando o desenvolvimento de jogos com mecânicas mais simplificadas e que tivessem uma chance de aceitação maior no mercado de massa (na época estávamos trabalhando no desenvolvimento do portfólio da Grok para esses jogos, com o É Top!?, do Rodrigo Rego e do Leandro Pires).
Fazendo algumas pesquisas no mercado mobile, percebi na época (julho/2020) que um dos jogos que mais fazia sucesso era o Stop (da Fanatee link: https://play.google.com/store/apps/details?id=com.fanatee.stop&hl=pt_BR&gl=US) e a partir dai foi dado o estalo que faltava para encaixar um jogo de cartas multi uso com regras de conhecimento mais amplo do público brasileiro para um mercado de massa, surgindo a primeira versão do “Eu Sei”, o nome provisório que dei para o projeto, unindo um jogo de palavras e perguntas com o uso de cartas.
A ideia do Eu Sei girava em torno de uma carta com uma letra principal no seu centro que teria 4 letras ao redor, sendo que nas extremidades, tínhamos também 4 temas diferentes a serem respondidos de acordo com a letra central. Embaixo dessa cartas, nós teríamos outras 4 cartas com as extremidades correspondentes sendo mostradas (você pode conferir como era na foto abaixo). Assim, eu conseguiria garantir uma infinidade de probabilidades para as perguntas em conjunto com as letras que as categorias deveriam ser respondidas (essa era uma das minha preocupações para o jogo, garantir que ele tivesse uma infinidade de possibilidade de combinações).
Porém, só pela foto do conceito inicial, dá pra ver que era algo bem complicado de se trabalhar e estava longe de conseguir agradar um público que queria simplicidade de regras. Mas era um primeiro passo no processo criativo, e como tal, passou por algumas evoluções.
Comecei a fazer alguns testes, ainda com o pessoal da Grok, e nesse momento cheguei a uma definição que perdurou no decorrer do projeto. Ao invés de termos várias cartas empilhadas, porque não termos apenas 1 cartas expondo as 4 letras e as 4 categorias, mas adicionando um elemento visual que fizesse a conexão entre eles. E esse elemento visual acabou sendo a cor da carta.
Assim, em Agosto de 2020 chegamos numa definição de layout inicial de carta que permaneceu praticamente até o resultado final, como vocês podem ver nesse modelo (inclusive, quem me ajudou com os insights nisso foi meu ex-sócio e amigo, Luis Coutinho, afinal, ter uma opinião de um designer gráfico é sempre bom).
Estava então resolvida a questão da apresentação das cartas, mas faltava um pouco da dinâmica do jogo. Inicialmente, quem poderia responder as categorias tinha que gritar “Eu Sei” (dai o nome provisório do jogo), mas era algo que não estava tão fluído e não garantia uma certeza de quem foi o primeiro a falar. Era uma confusão que eu queria para o jogo, mas estava confuso demais rss.
Tínhamos lançado o Córtex: Desafios! há pouco tempo, e ele era um jogo que estava ganhando uma aceitação muito grande, e quando eu jogava, algo que achava muito legal era o esquema do tapão na carta para garantir o direito de resposta. Veio dai a resposta para algo que sentia não estar rodando bem no nosso projeto, e foi então que aplicamos essa mecânica de tapão para garantir o direito de resposta, e que também permaneceu na versão final.
Falando dela, para quem não conhece a versão final do UeStop!, tem 4 modos de se jogar diferentes, cada modo com um grau de complexidade progressiva. E nessas primeiras versões do jogo, eu estava trabalhando com a modalidade mais hardcore de todas, ou seja, ainda estava buscando uma forma de o tornar mais simples, afinal, esse era um dos objetivos do jogo, ser simples e extremamente divertido.
Já não mais na Grok, dei continuidade com o Eu Sei, tocando com os playtestes dele. E em um desses playtestes, o pessoal da mesa começou a brincar em termos um modo super frenético, que desse um pouco mais de tensão para responder rápido, e não precisássemos responder todas as categorias, apenas 1 bastaria. E foi justamente quando descobrimos a versão mais básica do jogo que se tornou um sucesso imediato para nós.
Pronto, ai estava o que eu buscava desde o início. Mas a solução não veio sozinha e não surgiu apenas da minha cabeça do nada. Ela veio através de opiniões e da ajuda de várias outras pessoas durante essa fase de criação (afinal, desenvolver, criar, é igual a testar, errar, ouvir, consertar, acertar…).
Agora com o jogo mais bem definido em termos de regras e do seu público, passaríamos para uma outra fase de igual importância, que seria dar uma cara de produto para ele. E aqui, mais uma vez tivemos a felicidade de contar com profissionais que se entregaram de corpo e alma no projeto, agora já com seu nome tão característico das interjeições das partidas de adedonha e stop que eu me recordava vivamente da minha infância. Afinal, quem nunca gritou uuuuuu eeeeee stop!
Montamos nosso moodboard e passamos a discutir o layout de outros produtos que serviram como referência para o UeStop! Várias perguntas ainda estavam demandando respostas, afinal, qual o estilo de arte a ser empregado, que cores, estética, formas, fontes, material, tamanho de carta, tipo de embalagem, acessibilidade para daltônicos (algo que nos orgulhamos bastante também em ter desenvolvido). Realizamos diversas reuniões com equipe de designer e nossa equipe de editoração para também discutir o melhor tom a ser empregado no manual. Tudo isso, ocorrendo em meados de setembro a dezembro/2020.
Nesse meio tempo, íamos seguindo com os playtestes para garantir que o jogo também estivesse bem refinado. Afinal, não bastava jogar trocentas categorias a esmo para que as pessoas jogasse. Cada categoria foi pensada na experiência que o jogador final teria. Já pensou em você ter uma carta que tenha como categoria “Você é….” e a letra a ser usada seja o “L”. Abre de imediato a possibilidade para alguém completar : “você é lindo/a” e dai sair um novo par romântico, vindo diretamente de uma partida do um jogo que criamos.
Montamos com isso, 192 categorias diferentes, criamos 4 modos diferentes de jogo, incluímos 4 cartas de personalização, tudo dando mais de 10.000 possibilidades diferentes de combinação entre categoria e letra. Tudo isso pensado na experiência do jogador.
Queríamos que o UeStop! fosse muito mais que um jogo, que ele fosse um catalisador de experiências positivas entre as pessoas que o jogassem. E pelo resultado final do material que criamos e pelo feedback que temos recebido, tenho certeza que nosso time atingiu esse objetivo. Basta olhar para essa foto e se perguntar se ela não trás um sentimento de diversão. Ou melhor, que tal experimentar o jogo e provar por si mesmo essa experiência?
Mas enfim, estou apenas dando alguns relances do que aconteceu durante parte do desenvolvimento do jogo UeStop!, mas ainda existe muita coisa envolvida, pois estamos falando de um produto e, como tal, precisamos ter um mínimo de informações de mercado, público, preço, custo, ponto de venda, e vários outros aspectos que são extremamente importantes para que um lançamento ocorra.
Para que esse lançamento efetivamente ocorra, muitas pessoas são envolvidas (só de cara, conto aqui mais de 15 pessoas envolvidas). Um jogo nunca é só do game designer. Ele muitas vezes é o cara que acaba tendo o privilégio de ter o nome estampado, mas carregando e representando o esforço de diversas outras pessoas que, assim como ele, contribuíram para o surgimento do jogo.
Só aqui, já mencionei meu time e amigos da Grok, a equipe da Galápagos que testou o jogo, todo o time de designer gráficos e editorial, além de todos que contribuíram nos playtestes. Todos eles são parte criadoras desse produto original, que surgiu de uma ideia simples e que foi evoluindo e ganhando corpo com o trabalho coletivo dessas pessoas.
Reforçando mais uma vez para que não sobre dúvidas: um jogo, um produto é o resultado da experimentação coletiva de competências complementares e baseadas na experiência e bagagem intelectual e técnica de cada um dos envolvidos. E para fazer um produto, por mais simples que seja, dá trabalho. E o game design é apenas parte desse trabalho de criação do produto.